Parte 2- Mentalidade Coletiva da Segurança.
Esta matéria foi escrita para um público-alvo específico, a comunidade dos paraquedistas brasileiros, com o propósito de aumentar a segurança na prática deste esporte no país.
Na parte I desta matéria sobre Paraquedismo Mais Seguro, escrevemos sobre a Confederação Brasileira de Pára-quedismo por ser o órgão que regulamenta o paraquedismo no Brasil, e terminamos com o tema sobre a filosofia na qual o Comitê de Instrução e Segurança se baseia, a qual repetimos abaixo:
- Todo acidente pode (e deve) ser evitado
- Todo acidente resulta de uma sequência de eventos e nunca de uma causa isolada
- Todo acidente tem um precedente conhecido
- A prevenção de acidente é uma tarefa que requer mobilização geral
- Acusações e punições agem diretamente contra os interesses da prevenção.
MENTALIDADE COLETIVA DA SEGURANÇA
A proposta do Comitê de Instrução e Segurança da Confederação Brasileira de Pára-quedismo é desenvolver uma CONSCIENTIZAÇÃO COLETIVA DA IMPORTÂNCIA DA SEGURANÇA baseada no conhecimento, na atitude, na postura e nas ações. Atualmente quando acontece um acidente, ele é investigado e daí surgem as recomendações de segurança que por sua vez geram as atividades de prevenção. Como vimos na parte 1 desta matéria, O CIS tem por objetivo eliminar totalmente os acidentes fatais. Por mais utópico que possa parecer, esse objetivo já foi atingido no ano de 2014.
Analisando os fatores contribuintes dos acidentes, concluímos que eles se encaixam basicamente em três categorias.
• FATORES OPERACIONAIS
• FATORES HUMANOS E
• FATORES MATERIAIS
Os FATORES OPERACIONAIS são aqueles que acontecem em função do plano (ou da falta de um plano) da operação da área. Exemplo: Briefings de segurança, cheques de equipamentos, lacres, processo de embarque, distribuição das áreas de pouso, briefing dos pilotos, controle de lançamento, comunicação terra-avião, dobradores, etc. Ou seja, fatores que são determinados pelo RTA da área e que o paraquedista não pode influenciar ou alterar. Daí, quando um acidente ocorre porque um lançamento foi feito com excesso de vento, por exemplo, ele é considerado um erro operacional e a responsabilidade pode ser atribuída ao RTA. Quando um paraquedista faz uma curva deliberada próxima ao solo e colide com o chão, este pode ser considerado um FATOR HUMANO.

Já o FATOR MATERIAL é caracterizado por uma falha do material, como a fadiga ou falha de fabricação, bem ilustrada no caso do acidente do Marcos Farias Babu (analisado nos próximos capítulos desta matéria), que teve um dos anéis de ligação do reserva rompido na abertura. No momento em que conseguirmos eliminar os fatores contribuintes por meio das atividades preventivas, o esboço (abaixo) passará a ser como o da ilustração do Ciclo da Prevenção, na qual gerenciamos os seminários, vistorias e relatórios de prevenção, eliminando totalmente os acidentes (ou pelo menos diminuindo-os consideravelmente).
COMPLACÊNCIA, INDISCIPLINA
E INCOMPETÊNCIA INCONSCIENTE
Vejam um exemplo de complacência e indisciplina presenciado por mim numa área
de paraquedismo de grande movimento. Uma escola de grande giro embarcava sete
tandems enquanto eu assistia. Todos os TPs e seus passageiros passaram por
baixo da asa e à frente da hélice do avião que estava estacionado e com o motor
desligado, para alcançarem a aeronave um pouco mais a frente na área de
embarque, da qual saltariam. Sabemos que nunca devemos passar próximos a
hélices de qualquer aeronave, mesmo ela não estando acionada. Isso é um padrão
de segurança para evitar acidentes banais e que ocorrem por simples descuido de
alguém.
O incompetente inconsciente não sabe que não sabe. Ele tem certeza de que está
fazendo tudo corretamente e de acordo com as Normas. O primeiro passo é
reconhecer que sempre existe mais para aprender e buscar mais informações.
Atitude – Uma predisposição mental
Atitude é a predisposição mental com relação a alguma coisa. A atitude precede o comportamento. Para mudar o comportamento é preciso antes mudar a atitude, portanto é um componente decisivo na formação da MENTALIDADE COLETIVA DA SEGURANÇA.
Normalização do desvio
O paraquedismo é um esporte de risco, e dependendo de como você o encara, de como você o respeita e do seu CHA (Conhecimento, Habilidades e Atitudes), ele pode ser mais ou menos seguro. A sua atitude (pré-disposição mental) com relação ao paraquedismo pode determinar o resultado dos seus saltos. Por outro lado, a hesitação, a falta e o excesso de confiança e o ego também podem determinar um fim trágico neste esporte. Em minhas próprias palavras, normalização do desvio é quando uma Norma passa a não ser cumprida, e aquilo passa a ser aceito como normal, já que nada aconteceu até então. Por exemplo, “saltei sem o capacete e nada aconteceu comigo, por isso vou saltar novamente sem capacete”. Depois de saltar várias vezes sem capacete, o paraquedista pode achar que é desnecessário usar capacete no salto. A normalização do desvio é um termo batizado pela professora Diane Vaughn que escreveu um livro sobre o assunto depois que a Challenger da NASA explodiu em 1986. O livro faz um estudo de caso e mostra que mesmo a NASA pode se desviar das Normas e ter acidentes de pequenas e grandes proporções.

Por exemplo, avaliando os três últimos acidentes fatais em Boituva nos meses de novembro e dezembro passados, pela ordem cronológica, o último deles aconteceu por uma simples e fatídica falta de cheque de equipamento. O anterior a esse, um 3-way com LO, após a separação e aberturas dos velames, um dos atletas estava recolhendo o slider e desfazendo os freios sem checar seu espaço aéreo. Seu companheiro de salto, infelizmente teve um twist quando o principal abriu, e sem poder desviar da rota de colisão, chegou a gritar por duas vezes, na tentativa de alertar seu companheiro de salto. Mas ainda assim colidiram sem que o primeiro percebesse o iminente perigo. Possivelmente o que estava em twist veio a óbito com o impacto e o atleta desatento conseguiu pousar seu velame na área de salto, mas já desfalecendo segundo as filmagens de sua handcam. Este foi prontamente atendido e, mesmo em estado grave, deve se recuperar.
Ainda, no mês anterior, em Boituva, numa tentativa de recorde, a área foi oficialmente fechada pelo RTAG por conta de ventos acima do limite logo após a decolagem das aeronaves. Os responsáveis diretos pela atividade (piloto da aeronave, RTAG e LO) decidiram dar prosseguimento ao salto. Os ventos aumentaram consideravelmente até o lançamento das três aeronaves e um dos participantes da tentativa se perdeu na navegação por conta da intensidade do vento e, para evitar pouso na Castello Branco, tentou manobras abruptas a baixa altura vindo a colidir violentamente com o solo. Faleceu dias depois no hospital em decorrência dos ferimentos do impacto. Esses três casos de fatalidades refletem a normalização do desvio. Sabemos o quão importante é um simples e bom cheque de equipamento; a atenção com o paraquedas abrindo, aberto e navegando até pousarmos para simplesmente evitarmos uma colisão; e por fim, o não respeito aos limites de vento impostos por nossas normas, por mais que os atletas tenham grande experiência para um recorde, devem ser cumpridos pela nossa segurança.
Como
promover uma Mentalidade Coletiva de Segurança
O acidente de Marcos “Babu” Farias (que usarei como estudo de caso mais
adiante), no qual os dois paraquedas tiveram problemas, começou por uma simples
falta de familiarização com o equipamento (hand deploy) que era
emprestado e havia passado por uma manutenção recente, mas também serviu de
alerta para que os anéis de ligação dos reservas fossem checados e substituídos
por soft links.
Mas será que os acidentes tem que acontecer para dar essa sacudida na nossa
comunidade paraquedista? Eu sou um defensor da causa do Paraquedismo Mais
Seguro, e cada um de vocês, paraquedistas (profissionais ou apenas esportistas)
deveria ser também. Eu aposto que a minha atitude (predisposição mental) com
relação à prevenção e à segurança é diferente da de vocês porque ela foi
trabalhada em 47 anos de paraquedismo, vendo acidentes e querendo evitá-los,
tanto para mim como para os outros. Por isso reafirmo que a Conscência Coletiva
da Segurança deve começar com a atitude.
No paraquedismo temos muitos casos de normalização do desvio, sendo que alguns
deles nem são mais percebidos como desvios. Um deles que ocorre com frequência
é o salto atravessando nuvens. Muitas vezes, até mesmo a separação e abertura
são feitas dentro da camada. Separar e abrir o paraquedas sem totais condições
visuais é um perigo muito grande e nunca deveria ser permitido, especialmente
por razões puramente comerciais, como é o caso do salto duplo. Sem contar um
antigo tema recorrente em Boituva que trarei logo mais: Ser alvo ou bomba.
De novo a Mentalidade Coletiva da Segurança: No dia-a-dia devemos sempre manter o zelo e a disciplina com relação a segurança, se queremos praticar um paraquedismo mais seguro possível. Sejamos mais atentos com a normalização do desvio.
Esta matéria continua.
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